Clube de Permuta é a capa da revista Viver Brasil, edição 197

No princípio, era a permuta. Para nossos ancestrais, fazer negócios significava trocar uma mercadoria por outra, o grão de trigo colhido pelo peixe pescado; o trabalho pelo sal; o gado pela terra. Até que o homem descobriu o metal e, depois de cunhado, passou a comercializá-lo como moeda. E aí veio o dinheiro em papel, o cheque, o cartão de crédito... e a crise. Em tempos de recessão e instabilidade, o bom e velho escambo volta à cena e se mostra como alternativa para girar o capital sem colocar a mão no bolso – ou, ao menos, reduzir os gastos em espécie.
Em Belo Horizonte, o intercâmbio de produtos e serviços ganhou status de investimento para dois empresários. De ramos diferentes, Leonardo Bortoletto e Paulo Cesar Alkimim Oliveira perceberam que a barganha tinha potencial como modelo de negócio e desenvolveram o Clube de Permuta. Mais do que uma simples troca de favores, a dupla coordena uma elaborada rede de permuta multilateral focada em empresas (veja mais no quadro). O pulo do gato é que A não precisa trocar com B. “Ao vender algo, o associado fica com crédito no Clube e pode usá-lo quando outro associado oferecer algo que lhe interesse, realmente transformando a permuta em dinheiro”, esclarece Bortoletto.

Com cinco anos completos este mês, a agremiação já expandiu para cinco franqueados, em Montes Claros, Juiz de Fora, Araxá, Piracicaba (SP) e Vitória (ES). Fechou 2016 com o expressivo crescimento de 70%, em um total de 340 associados que movimentaram 18 milhões de reais nas seis cidades. Para 2017, a meta é elevar o valor para 34 milhões e com o dobro de associados, em dez municípios. Mas a expressão “clube” não foi escolhida à toa. O seleto círculo, formado apenas por indicação, compreende um mix de empresas que vai de construtoras, hotéis, restaurantes, bufês de festa, galerias de arte, advogados, contadores, arquitetos, academias, lojas de decoração, lojas de roupas, empresas de segurança, agências de viagem, entre outros. Semanalmente, parte do grupo se reúne em almoços ou jantares empresariais promovidos pela diretoria. Detalhe: nada de gerentes, mas sim os próprios donos ou diretores executivos. “Esses encontros, limitados a 22 pessoas, quebram barreiras, fortalecem o relacionamento, a base do clube, e geram novos negócios entre os associados”, conta Alkimim.

Para quem ainda não entendeu o know-how da rede, o exemplo do empresário Flávio Guimarães pode clarear as ideias. Dono da empresa AluClass, fornecedora de esquadrias de alumínio para os segmentos de construção civil e decoração, ele entrou para o clube em 2015. Desde então, já vendeu em torno de 3 milhões de reais para outros associados. E recebeu tudo em permuta. A princípio, pode parecer mau negócio, mas, nessa “brincadeira”, Guimarães levou um apartamento no Vale do Sereno, ainda na planta, da Unit Engenharia, com projeção de mercado de 1,9 milhão de reais. Mais: adquiriu um Ford Mustang V8. “Também faço retiradas para a empresa, como materiais de limpeza, uniforme dos funcionários e serviços de advogado. Para o ano que vem, estou pensando até em trocar de contador”, conta ele. Nos gastos do dia a dia, como pessoa física, Guimarães também usufrui da moeda interna do clube, o Permutz (PZ$): usa os restaurantes parceiros, como Porcão, Haus München e Rokkon, atualiza o guarda-roupa na loja Klus e viajou com a família para um resort de luxo na ilha de Comandatuba, na Bahia. “Estou negociando agora uma viagem para Dubai”, adianta.

A permuta caiu tanto no gosto do empresário que ele decidiu se tornar franqueado do clube em Juiz de Fora. “A grande vantagem é o que se tornou o slogan do grupo: você compra o que precisa e paga com o que você tem”, propagandeia ele. É claro que, nesse jogo, muita gente acaba adquirindo coisas que não compraria em reais. “Mas é um consumo inteligente. Não estava precisando do apartamento, por exemplo, porém, foi um bom investimento”, contorna ele. Além disso, o serviço de fornecedores pode ser ótimo negócio para empresas, evitando retiradas do caixa. “Em vez de gastar 15 mil reais de uniformes, centralizei os gastos em um parceiro”, diz Guimarães, e completa: “Seria ótimo se outros de meus distribuidores diretos aderissem”. Quem também é fiel ao intercâmbio multilateral é Alexandre Penido, dono da construtora Versátil.

Associado há três anos, ele iniciou a empreitada comercializando lotes do empreendimento Escarpas Internacional, às margens do lago de Furnas, usados em créditos com mídia e publicidade. A parceria deu tão certo que, dentro da empresa, a regra é sempre orçar com o clube antes de fechar qualquer negócio, com o objetivo de poupar recursos o máximo possível. “Já entramos com imóveis em troca de serviços necessários para a empresa, como café da manhã dos funcionários de obra, advogado e contabilidade. Como pessoa física, mobiliei praticamente minha casa inteira à base de permuta, com móveis da Sava e eletrodomésticos da Suggar, e fiz a festa de aniversário do meu filho em parceria com o bufê Casa do Sol. Meu lema passou a ser deixar o dinheiro para última instância”, relata o empresário.
Como as permutas são comercializadas a preço de mercado, sem custos inflacionados, a transação também gera lucratividade. “É como se eu tivesse feito uma venda em espécie, mas gerando recursos em produtos e serviço, um bom negócio para o faturamento da empresa”, raciocina Penido, que calcula já ter comercializado 2,3 milhões de reais. Outra vantagem, segundo ele, é o movimento de patrimônio imobilizado, que poupa diretamente em capital ativo. Um exemplo recente foi a compra de catracas inteligentes para um empreendimento. “Passeando pelo site do clube, vi a oferta disponível. Solicitei o orçamento e estava mais vantajoso do que no mercado. Fechei na hora”, conta. Engajado em aumentar a lista de parceiros, Penido já indicou oito possíveis associados. “Recentemente, precisei de serviços de paisagismo para um empreendimento, mas o clube não tinha nenhum parceiro. Consegui fechar uma permuta bilateral por fora e já indiquei a empresa.”

O crescimento do Clube de Permuta, aliás, não é apenas em movimentação de Permutz, mas também em associados. Em 2012, a agremiação começou com 30 empresas em Belo Horizonte. Hoje, são 150. “Nosso negócio se tornou importante para os empresários que pensam fora da caixa e é motivado pela crise. Só no primeiro trimestre deste ano, crescemos 140% acima do mesmo período do ano passado”, relata Leonardo Bortoletto. A expansão se reflete em ganhos para os próprios sócios. Conforme o contrato, 10% de cada transação é revertida como comissão. Além disso, todos os associados pagam uma anuidade de 2,25 mil reais. “Ao entrar, a empresa recebe um limite de operação, valor definido de acordo com o porte da empresa e seu potencial de compra e venda”, explica Alkimim.

As franquias, por sua vez, geram capital ao clube por meio de royalties. Mas a promessa de retorno é muito mais rápida do que em outros modelos de negócio. “Além de o investimento inicial ser muito baixo, em pouco mais de um ano já atingimos 90 associados”, conta Paulo Santiago, franqueado da unidade de Montes Claros, cuja meta é crescer 20% em 2017. Segundo ele, o produto foi muito bem aceito no Norte de Minas, que já tinha prática bem estabelecida na permuta bilateral, mas esbarrava na dificuldade de interesse mútuo entre A e B. “O clube ampliou o leque de negociações e todo o formato de condução da operação, valorizando o relacionamento entre empresários. A empresa que pertence ao grupo se transforma em referência”, diz. Por lá, o mix de associados segue a proposta da matriz e inclui desde construtoras até restaurantes e escritórios de advocacia e contabilidade, com algumas especificidades como maison de noivas e dentista. “Vamos do grande empresário ao micro. O importante é que a empresa valorize o clube como importante para seu faturamento”, define Santiago.

De volta a Belo Horizonte, essa é a lógica do casal Bernardo Santana e Daniela Brandão, proprietários da loja de decorações Arca Conceito, no Vila Paris. Eles iniciaram as operações com apenas 100 mil reais de crédito, oferecendo móveis e outros adornos, mas já movimentaram 300 mil. “Geramos demanda e viabilizamos negócios que não existiriam pelos moldes tradicionais. Em contraponto, também adquirimos produtos que não iríamos ter se tivéssemos que desembolsar dinheiro”, relata. Entre as trocas, Santana destaca uma viagem para o spa Espaço Águas Claras, em Macacos, locação de computadores, bufês de almoço para decoradores e arquitetos, cursos de treinamento, material de limpeza e verba de mídia digital. “Atualmente, estou em negociação para adquirir um terreno em Escarpas do Lago”, adianta ele.

E aí chegamos à intrincada rede promovida pelo Clube de Permuta. Afinal, quem comercializa os loteamentos de Escarpas é o já nosso conhecido Alexandre Penido, que, por sua vez, está interessado em negociar 600 mil reais em pele de vidro e esquadrias de alumínio com Flávio Guimarães, da AluClass, para um prédio no Funcionários. Como vimos, Guimarães atira para vários lados, mas sempre está na churrascaria Porcão, do Grupo Meet. Seu dono, o empresário Fernando Junior, outro associado, calcula ter vendido 15 mil rodízios em lotes de gifts cards movimentando 2 milhões de reais. “Já utilizei créditos em publicidade, consultoria de gestão, gráfica, segurança e material de limpeza”, enumera.

Com um produto de fácil consumo, inclusive para as reuniões do clube, e custo baixo de insumos, Fernando defende que a estratégia estimula investimentos. “O sistema me deixa mais corajoso, me permite arriscar mais ou fazer coisas que só faria em longo prazo. A percepção do gasto é menor”, afirma. Um exemplo: recentemente, ele comprou um imóvel comercial pelo clube e o revendeu fora dele, logo em seguida. “Fiz dinheiro vivo”, resume. Justamente, esta é a ideia. Permuta = dinheiro, grana, bufunfa.